segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O Convite.




Não me interessa saber o que você faz para ganhar a vida
Quero saber o que você deseja ardentemente, se você ousa sonhar em atender aquilo pelo qual seu coração anseia
Não me interessa saber sua idade
Quero saber se você se arriscará parecer um tolo por amor, por sonhosm pela aventura de estar vivo
Não me interessa saber que planetas estão em quadratura com a sua lua
Quero saber se tocou o âmago da sua dor, se as traições da vida o abriram ou se você tornou-se murcho e fechado por medo de mais dor
Quero saber se pode suportar a dor, minha ou sua, sem procurar escondê-la, reprimi-la ou narcotizá-la
Quero saber se você pode aceitar alegria, minha ou sua, se pode dançar com abandono e deixar que o êxtase o domine até as pontas dos dedos das mãos e dos pés, sem dizer para termos cautela, sermos realistas, ou nos lembrarmos das limitações de sermos humanos
Não me interessa se a história que me conta é verdade
Quero saber se consegue desapontar outra pessoa para ser autêntico consigo mesmo, se você pode suportar a acusação de traição e não trair a sua alma. Quero saber se você pode ver beleza mesmo que ela não seja bonita todos os dias, e se pode buscar a origem da sua vida na presença de Deus
Quero saber se você pode viver com o fracasso, seu e meu, e ainda, à margem de um lago, gritar para a lua prateada: "Eu posso!"
Não me interessa saber onde você mora nem quanto dinheiro tem
Quero saber se pode levantar depois de uma noite de sofrimento e desespero, cansado, ferido até os ossos, e fazer o que tem que ser feito pelos filhos
Não me interessa saber quem você é ou como veio parar aqui
Quero saber se você ficará comigo no centro do incêndio e não se acovardará
Não me interessa saber onde, o que, ou com quem você estudou
Quero saber o que te sustenta a partir de dentro, quando tudo mais desmorona
Quero saber se consegue ficar sozinho consigo mesmo e se, realmente, gosta da companhia que tem nos momentos vazios.

Texto inspirado por Sonhador da Montanha Oriah, ancião índio americano, em maio de 1994.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Metade

Eu preciso colocar este texto aqui, pelo simples motivo que ele fala de mim, mesmo sem se saber assim. Amanhã sigo com as minhas próprias letrinhas.

Metade
Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso
E a outra metade um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância
Porque metade de mim é a lembrança do que fui
E a outra metade não sei
Que não seja preciso mais que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é a canção
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

É isso,
até a próxima ;)

domingo, 4 de novembro de 2007

Depois de um longo silêncio.




Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque tirava boas notas.
Mas aí na 3ª série eu tirei um seis que me rendeu um dos mais inesquecíveis esporros que eu já levei.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque não fazia bagunça.
Mas aí eu entendi que aquelas mesmas pessoas que faziam bagunça eram mais honestas com a vida do que eu.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque era muito inteligente.

Aí eu descobri pessoas mais inteligentes do que eu e, mais importante do que inteligentes, mais lúcidas do que eu.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque fazia algo melhor do que todo mundo, era só questão de achar o que era.
Essa teoria eu nunca consegui comprovar.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque sempre fui mais maduro para a minha idade do que elas.
Mas aí eu descobri que a minha maturidade estava mais no meu discurso do que nos meus atos.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque passei de primeira para medicina numa faculdade pública
Mas aí eu entendi que a jornada de cada um rumo ao profissional que se tornarão não têm absolutamente nada a ver com a carga horária cumprida na faculdade, muito menos com a faculdade em si.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque tinha um futuro brilhante à minha frente.

Mas aí eu descobri que futuro é aquilo que vem depois do presente, e depende um bocado do que se faz no presente. Apesar de não ser totalmente aleatória, a vida não é um jogo de cartas marcadas.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque seguia as regras do jogo independente de qualquer coisa.
Aí eu entendi que regras são feitas para serem quebradas.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque não usva drogas.

Aí eu descobri que desde o início do tempo as pessoas usam drogas por um motivo ou por outro, que nenhuma civilização, sem exceção, prescindiu das drogas, e portanto eu era uma aberração.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque nunca matei.

Até descobrir que, movido pela emoção certa, eu sou capaz de matar como qualquer outra pessoa.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque eu era um bom samaritano.

Até descobrir dentro de mim uma criatura tão perversa quanto bondosa é sua aparência.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque sabia dar valor às amizades que eu tenho.
Até me ver me perdendo dos meus amigos de verdade.


Antigamente eu achava que era melhor do que as outras pessoas porque nunca tinha dado as costas a alguém que me tivesse amado de verdade.
Até hoje.