sábado, 28 de julho de 2007

Das contradições.

A gente vive num mundo que diz que a vida é agora, muito provavelmente porque temos plena noção de que no futuro a vida vai deixar de ser.
A gente vive numa sociedade que está envelhecendo, mas que faz apologia à juventude e à beleza.
A gente está engordando cada vez mais, mas o modelo das roupas é cada vez menor, a ponto de um dia chegarmos a conclusão de que roupa é coisa para poucos. (E andaremos pelados e cheios de celulite?)
A gente fundou o nosso conceito de sucesso em competir, vencer e subjugar o seu semelhante, e ainda temos a cara de pau de dizer que as pessoas deveriam se unir e ter mais atenção umas às outras.
A gente quer que ouçam o que temos a dizer, mas não queremos ouvir o outro.
A gente está aos poucos se enterrando no lixo de nossos desperdícios e luxos, mas fazemos apologia à atualização constante e eterna.
A gente vive em uma realidade repleta de pessoas com destinos miseráveis e infelizes, e ainda agimos como se as causas a serem defendidas se acabaram ao final da ditadura militar.
A gente acha que as pessoas estão perdendo a humanidade e a paciência, mas não temos nem paciência para esperar uma velha senhora, moradora de rua, escolher o que ela vai conseguir levar da estante com seu parco dinheiro em um supermercado, nem humanidade para oferecer ajuda, ou a vida.
A gente sabia o que era ser feliz, e ter uma vida que valeu a pena ser vivida, agora a gente precisa que um especialista qualquer que nem nos conhece o diga para nós.
A gente tinha rituais, fé, crenças. Agora quem dita os nossos rituais são as empresas.
A gente tem toda a informação que se poder conseguir, mas não conseguimos lançar juízo crítico sobre elas.
A gente tinha folklore (conhecimento do povo), agora ele foi transformado em crendice e superstição.
A gente tinha dias e noites, épocas, estações do ano, períodos menstruais, maternidades e celebrávamos isso tudo. Tinhamos dias de descanso e momentos em que nos permitíamos não trabalhar. Agora tudo isso se reduz a um linear "aberto 24 horas por dia, sete dias por semana".
A gente vive para tomar do outro, e não entendemos por que as coisas parecem não ir para frente.
A gente vive como se não tivesse nada de errado, mas o fato é que tem.
A gente até sabe o que tem que fazer, mas o fato é que a gente não faz.

Não dá pra assimilar o sofrimento de um mundo inteiro de uma vez, mas o fato é que estamos sofrendo, e nossas mãos estão sujas.
E não podemos lavá-las.

2 comentários:

Nina disse...

Sabe, sempre me esforcei para não sujar as minhas mãos...
Ainda acredito que não irei perder as esperanças, apesar de às vezes estar quase me afogando...
Mas pensando bem, minhas mãos já estão sujas há muito tempo. E talvez não seja pelos valores invertidos mais escancarados, e sim, pelos valores invertidos dentro de mim, onde nem mesmo eu conseguia enxergar.
Quantas vezes o meu egoísmo não manipulou os outros, me fazendo parecer a pessoa mais doce do mundo?
Hoje, mesmo de mãos sujas, quero olhar bem pra sujeira e lembrar que logo ali tem água e sabão.
E, na verdade, ainda credito que podemos sobreviver, lavando sempre as mãos e tentando mantê-las assim!

Andressa who? disse...

Não te contaram? Hipocrisia tá na moda.